“Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar.” Essa frase é do filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). Em suas obras, o pensador defende a ideia de que na sociedade pós-moderna – nomeada por ele como modernidade líquida- é muito difícil manter relacionamentos, ideias e identidades por um longo período de tempo. Mas, no Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), há uma funcionária que desafia essa lógica: Izilda de Lourdes Carvalho Rodrigues, de 70 anos, que completará, neste ano de 2022, 45 anos como servidora do TCMSP. Certamente, o caso dela é praticamente inédito no Tribunal.
A sua jornada começou no longínquo ano de 1977, quando tinha 25 anos e o prédio do TCMSP, apenas um ano de existência, já que foi inaugurado em 1976. Naturalmente, o entorno era quase deserto naquela época. Anteriormente, Izilda tinha trabalhado no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como chefe dos recenseadores por conta da sua formação em Geografia na Universidade de São Paulo (USP). Na época, o órgão ainda não tinha um concurso próprio. Assim, a Prefeitura de São Paulo permitia que o candidato prestasse uma prova equivalente ao cargo pretendido e, após a aprovação, o postulante poderia assumir a função desejada. Foi desta forma que Izilda conseguiu seu primeiro emprego no Tribunal “Eu prestei um concurso no Hospital das Clínicas para auxiliar administrativa e trouxe para cá (Tribunal)”, relembra. Curiosamente, o HC é um órgão da administração estadual.
Em seu trabalho no IBGE, seu emprego antes do Tribunal, conseguia ir de bicicleta devido à proximidade da casa, no Bairro de Pinheiros, com o local de exercício do ofício, Rua Araújo, no Centro. Porém, em decorrência dessa inflexibilidade, teve que mudar a sua rotina: “é uma mudança que você tem que estruturar”. Logo na sua chegada ao TCMSP, ela estranhou a rigidez do órgão, em especial com relação aos horários. Atualmente, existem formas de compensar atrasos sem ter nenhuma perda financeira, mas, quando ingressou na instituição, esse mecanismo não existia. Então, os atrasos eram descontados no salário: “aquela rigidez de bater o ponto me impactou bastante, você não podia perder o horário, senão tinha desconto no final do mês”. Essa batalha contra o tempo teve um novo capítulo com os filhos, Rafael, que é cirurgião plástico, Marcelo, ortopedista, e Thiago, engenheiro: “eu os pegava (no Colégio Dante Alighieri) na hora do almoço, saía daqui correndo e deixava em casa”. Ela, ainda, complementa: “por conta disso fiquei anos sem almoçar”.
Na sua primeira função no Tribunal, a funcionária teve como chefe Décio Denuncci, que tinha cargo equivalente ao de diretor de Secretaria Geral. Posteriormente, ela foi orientada pelo então chefe, na mesma área, João Batista Gonçalves, a pessoa que mais a incentivou e auxiliou no seu crescimento no Tribunal: “Era uma pessoa maravilhosa, um incentivador dos seus funcionários, foi o líder que mais me impulsionou e me deu ânimo para continuar”. No campo familiar destaca-se o pai, o representante comercial Pedro Carvalho, que morreu há 18 anos. Ainda com a voz emocionada, descreve a importância dele em sua vida: “Ele se esforçou muito para proporcionar tudo que era necessário para mim e meu irmão, Pedro Luis Carvalho. Então ele foi uma inspiração para conseguir tudo que eu queria”, relembra.
O exemplo dos dois ajudou Izilda na sua batalha para se formar em Direito na Universidade Paulista (UNIP). A servidora já tinha três filhos grandes- inclusive no término da sua graduação o mais velho, Rafael, estava ingressando no curso de Medicina. Por causa disso, enfrentou diversas dificuldades para conciliar a maternidade, trabalho e suas atribuições na faculdade. “Eu levantava de madrugada para estudar para as provas.” Mas, com a ajuda de seu marido, o médico oncologista Gerson da Silva Rodrigues, ela finalizou a formação, que foi fundamental para o seu crescimento no órgão.
Após o seu primeiro cargo na Subsecretaria Geral, trabalhou no Cartório devido a uma reestruturação dessa área, depois passou a ocupar uma função no gabinete do então conselheiro Eurípedes Sales, até que assumiu o posto de coordenadora processual, tornando-se uma das únicas chefes mulheres do TCMSP. No período em que ocupou o comando do setor, sempre teve uma boa relação com os seus subordinados. Ela conta o seu segredo para comandar bem: “tem que se colocar na posição do funcionário, se você for um chefe extremamente rígido pode perdê-lo”. Ela ainda elogiou o setor e seus funcionários: “são batalhadores, extremamente dedicados e levam a bandeira do Tribunal adiante”.
Como em todo relacionamento existem momentos difíceis, em especial quando os amantes estão distantes, e com a servidora e o Tribunal não foi diferente. Em decorrência da pandemia do covid-19, os funcionários do Tribunal tiveram que trabalhar de forma remota. Assim, depois de 43 anos juntos, ela e o órgão ficaram separados por algum tempo. No início, ela sentiu a mudança de rotina: “todo dia você tem uma atividade fixa e de repente você não tinha mais nada”. Mas, com o retorno ao trabalho presencial, ambos se reencontraram e aos poucos a vida tem voltado ao normal.
Atualmente, depois de 15 anos na chefia, a servidora deixou o comando e passou para a posição de auxiliar técnica administrativa a fim de dar oportunidade para outras pessoas. Apesar de já poder se aposentar por tempo de serviço e do pedido dos filhos para que isso ocorra, ela pretende permanecer no órgão até a sua aposentadoria compulsória: “Não estou preparada para me aposentar, eu adoro trabalhar!”, justifica.
Desde a sua chegada ao TCMSP tanto Izilda quanto o Tribunal passaram por diversas mudanças. Ela entrou solteira, agora está casada, teve três filhos e cinco netos, Isabela, de 9 anos, Benjamim e Henrique, ambos de 8, Lucas, de 5 e Tom, de 2. O edifício, por sua vez, mudou bastante com o crescimento, ganhou um anexo, Procuradoria da Fazenda, garagem e, devido às enchentes, uma garagem, que ficava ao lado do edifício-sede, foi desativada. O único aspecto que se manteve intacto foi o amor que a servidora tem por seu trabalho no órgão.
João Pedro Alcantara Leme