Em um olhar superficial, dá a impressão de que Isabel Cristina Costa Gonçalves construiu uma carreira voltada apenas para o seu ofício no Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP). Essa percepção é ainda mais forte para os colegas de trabalho que acompanharam os 40 anos de serviços prestados no órgão, sempre no segundo andar e, na maior parte do tempo, trabalhando no gabinete de conselheiros. Porém, quando vista de perto, é possível perceber que o caminho da servidora poderia ter sido bem diferente.
Aos 20 anos, Isabel cursava Economia no Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), e frequentava um curso técnico de moda, próximo ao Estádio do Pacaembu, na zona oeste da capital. Nem imaginava, um dia, trabalhar no Tribunal. Ela entrou no ramo da moda por meio do convite de um amigo, João Callas Filho, para ingressar em uma fábrica de tecido, a J. Callas, na Vila Santana. Posteriormente, conseguiu uma oportunidade em uma outra empresa desse mesmo segmento: a T. Gabriel, no Tatuapé. Na época, imaginava seguir carreira nessa área. Por conta do desempenho no segundo trabalho, foi indicada para estudar moda em Paris: “eu ia fazer um curso de estilista, porque antigamente os donos de lojas grandes não montavam a coleção. Eles contratavam os estilistas para fazer esse trabalho”.
No entanto, a vida de Isabel passou por uma grande mudança. Ela ficou grávida de seu primeiro filho, Felipe. Então, resolver casar-se com o ex-marido, Oswaldo, e abandonar o ramo da moda: “era um tipo de vida que ou a pessoa que estava com você era ligada ao ramo de moda ou não dava certo”, justifica.
Naquele momento, a trajetória de Isabel tomou um rumo diferente do que ela projetava. Não era mais possível seguir a carreira antes pretendida. Porém, de acordo com o poeta paulistano Zack Magiezi é quando a vida saiu dos trilhos que se descobre que pode se ir para qualquer lugar. O destino escolhido pela servidora foi o Tribunal.
Isabel ingressou no órgão em 1982 para trabalhar na função de Auxiliar Técnico de Fiscalização juntamente com o pai, João Baptista Gonçalves, que, naquele momento, ocupava o cargo de Secretário Administrativo. Ele foi fundamental na trajetória dela na instituição, sendo um mentor, instruindo-a como se portar no ofício com base na experiência dele dentro do Tribunal. Outro membro da família dela que teve grande importância em sua trajetória do TCMSP foi o tio, o ex-conselheiro Paulo Planet Buarque, que foi eleito por seis oportunidades como presidente da instituição, sendo agraciado com o nome dado ao Plenário.
Além de ajudar no início da trajetória dela no TCMSP, o pai de Isabel, que morreu em 2021, é a principal referência familiar dela, em especial por incentivar ela e a irmã, Maria Regina Gonçalves, nos estudos: “ele sempre passou para mim e para minha irmã que o estudo é uma coisa que ninguém tira, para conquistarmos a nossa independência”. Apesar de sua morte, João deixou a busca pelo saber como herança para a família: “foi um pai e um avô que passou muito conhecimento, deixou um legado bom.”
Outros funcionários do Tribunal foram importantes na trajetória da Isabel. Dentre tantos, a servidora destaca a colega Helza, cujo sobrenome não lembra, que também tinha um cargo na Secretaria Geral, como secretária. A colega de trabalho explicou como funcionava a instituição e a ajudou no curso de datilografia, naquela época algo essencial para trabalhar em escritórios.
Depois de trabalhar com o pai, Isabel atuou nos gabinetes de conselheiros. O primeiro foi o de Francisco Martin Gimenez, depois migrou para o de Eurípedes Sales e, nesse momento, está no do presidente João Antonio da Silva Filho. Assim, ela trabalhou apenas no segundo andar, tendo em vista que, diferentemente da configuração atual, tanto a secretária administrativa quanto os gabinetes eram naquele piso. “No primeiro andar ficava o restaurante, no segundo os gabinetes, a secretária administrativa e no terceiro todas os outros setores de departamento”. Atualmente, apenas o gabinete da Presidência permanece no andar, ao lado de outros setores ligados ao comando do Tribunal.
Todavia, não foi apenas o prédio que sofreu alterações, mas também o modo de trabalho do TCMSP. Segundo a servidora, antes havia uma orientação que o funcionário dominasse apenas a sua função. Agora, existe a possibilidade de compreender como funciona a configuração do Tribunal de forma mais completa. Portanto, na visão dela existe uma liberdade maior hoje em dia. No passado até as roupas e pintura das unhas dos funcionários eram regrados. Além disso, com a chegada do digital, as tarefas realizadas na instituição ficaram mais eficientes: “antes era tudo digitado, agora está tudo diferente, porque está informatizado”. Ela complementa: “na época, tinha algumas coisas que precisávamos escrever, datilografar e outras que eram anotadas manualmente”.
Apesar de nesses 40 anos de serviço ter presenciado diversas modificações no Tribunal, nenhuma delas foi tão radical quanto a pandemia do Covid-19. Devido ao isolamento social, os servidores da instituição tiveram que trabalhar de forma remota. Assim, Isabel estava impossibilitada de ir para o seu refúgio de paz, como se refere ao Tribunal: “não via a hora de voltar, mas, como tem mais de 60 anos, fui uma das últimas. Então, quando comecei a retornar ao presencial fiquei aliviada.”
Contudo, a vida de Isabel não se resume apenas ao ofício no órgão. No tempo livre, ela gosta de praticar atividade física, como yoga e caminhadas, em parques ou nas ruas, além de passar muito tempo com a família. Entretanto, nenhum desses hobbies traz a paz que o trabalho oferece. Um dos motivos de acordo com a funcionária é a arquitetura do prédio: “a partir do momento que entro sinto a sensação de paz, diferente de entrar num prédio comercial qualquer em São Paulo”.
Atualmente, Isabel tem três filhos, Felipe, Rafael e Marcela, e uma neta, Bella. Apesar de já poder se aposentar, a servidora está longe de se afastar do seu trabalho no órgão. Ainda assim, planeja, quando este momento chegar, manter-se ativa e quem sabe mudar-se para Portugal, buscando uma maior qualidade de vida. Mas, ela sabe que nem sempre as coisas acontecem como sonhamos. Porém, o nosso trem sempre nos leva para o destino correto e que bom, tanto para a funcionária quanto para o TCMSP, que o dela era o Tribunal, onde construiu sua carreira.
João Pedro Alcântara Leme