Escondida no alto da Serra do Mar, a vila de Paranapiacaba, distrito do município de Santo André, foi o local escolhido pela Associação dos Servidores do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (Astcom) para a retomada dos passeios culturais, dia 6/8, após hiato gerado pela pandemia da covid-19. O roteiro, que contou com ônibus turístico, guias locais e visitas a museus, levou associados e convidados a percorrerem as ruas da antiga vila ferroviária de reconhecido valor histórico, ambiental e arquitetônico.
Construída na primeira metade do século XIX, Paranapiacaba, “lugar de onde se avista o mar”, como descreveram os índios tupis que primeiro habitaram a região, foi criada para abrigar os operários da companhia britânica São Paulo Railway, responsável pela construção da ferrovia que ligaria o Porto de Santos a Jundiaí. Com o estímulo à indústria automobilística e o sucateamento das ferrovias no país, a vila foi sendo pouco a pouco esquecida pelo poder público até mais tarde ser tombada pelos conselhos de patrimônio federal, estadual e municipal e ser comprada pela prefeitura de Santo André.
Seu valor histórico foi sendo retomado pelo viés turístico e a vila passou a ser palco de uma programação diversificada que movimenta o comércio e divulga histórias e lendas contadas por descendentes dos ferroviários. Entre os principais eventos estão festivais de inverno e gastronomia, que aproveitam o clima frio e a tradicional névoa da região e receitas feitas com o cambuci, fruto abundante no local, e a convenção de bruxas e magos, que reúne amantes da natureza e da espiritualidade.
O passeio a pé pelas ruas de paralelepípedo da vila de arquitetura típica inglesa (com casas de madeira de pinho de riga) e ladeada por remanescentes da Mata Atlântica levou os visitantes a diversos pontos emblemáticos da região. O roteiro incluiu parada na Igreja de Bom Jesus, criada em 1889, no Museu Funicular, que exibe locomotivas da São Paulo Railway e objetos da antiga estação, no Museu do Castelo, casa onde morou o engenheiro-chefe da ferrovia com vista panorâmica da localidade, na Casa da família ferroviária, recriação das casas dos trabalhadores e no mercado central, que comercializa produtos feitos à base do cambuci. O agradável almoço incluiu no cardápio uma sobremesa feita com o fruto azedinho.
O chá da tarde encheu os olhos dos associados com bolos caseiros, torta, bolinho de chuva e pudim de pão, na hospedaria de Zélia Maria Paralego, que lançou recentemente o livro “Do Alto da Serra à Paranapiacaba”. A obra traz histórias dos antigos moradores e as transformações sociais que a vila atravessou entre os séculos 20 e 21.
Repleta de lendas e magia, Paranapiacaba reúne histórias que são recontadas pelos seus moradores. Stiff, guia local que acompanhou os visitantes, conta que para ele uma lenda pode ser caracterizada como “verdadeira” se partir de uma história real, tiver uma justificativa para existir e, claro, o tempero da fantasia.
Assim, até a tradicional neblina que cobre Paranapiacaba, o “fog” londrino que deixou os ingleses tão à vontade anos atrás, tem a sua “lenda verdadeira”. Servidores ativos e aposentados do TCMSP e seus convidados puderam entrar no clima da vila e caminhar nessa névoa de fantasia, chamada pelos habitantes de “véu da noiva”.
Segundo a lenda, Mariana, a bela filha de um ferroviário, foi deixada no altar da igreja matriz à espera do noivo, filho do engenheiro-chefe, que não apareceu no dia do casamento. Enlouquecida pelo abandono, a jovem passou a perambular pela cidade com seu vestido de noiva até descobrir que tudo se tratou de uma artimanha do engenheiro-chefe da ferrovia. O líder local havia prendido o filho na adega no dia do casamento e mais tarde despachado o jovem enamorado no primeiro navio rumo à Inglaterra.
De uma vila de clima aberto e ensolarado, Paranapiacaba passou a conviver com a neblina diária no momento em que a jovem se jogou de um despenhadeiro, buscando um ponto final para seu sofrimento. Desde então o extenso véu da noiva cobre as ruas porque Mariana ainda perambula em busca do seu amor.
O passeio cultural foi uma parceria da Astcom com a Graffit Turismo. A associação promove, desde sua criação, diversos eventos nessa seara. Aproveita a oportunidade para homenagear o trabalho realizado por muitos anos pelo servidor Rodolfo Coelho, falecido em 2021, à frente da diretoria cultural. Entusiasta do tema, Rodolfo promoveu inúmeros espetáculos teatrais e passeios que ficaram na memória dos associados. Também participou da comissão editorial do Jornal TribunaLivre, que circulou no TCMSP com apoio da Astcom. Rodolfo Coelho era escritor e publicou diversos livros de prosa e poesia.
Helga Monteiro Ventura